domingo, 9 de maio de 2010

Água de Roma

Dia destes ouvi uma história sobre Roma, contada pela minha irmã, não tenho confirmação histórica. Numa busca rápida pela internet não encontrei base sólida, mas não importa - o gancho vem a calhar para o assunto seguinte, que também me foi informado pela Márcia.

Lá vai:

Roma - 2.300 anos atrás.

O sistema de distribuição da água em Roma obedecia um critério interessante - transportada pelos aquedutos, era posteriormente tratada e decantada, para ser estocada em tanques de distribuição com duas saídas, uma num nível pouco mais acima da outra. Uma das saídas fornecia água para as famílias da elite, e a outra para o restante da população. Imediatamente se pensa "o acesso mais alto era o da elite, por conter menos resíduos", e era assim mesmo, só que por um motivo muito diferente e bem mais legal.

O senador que implantou o sistema era um grande conhecedor da natureza humana - a água da elite não era mais pura que a da plebe, já que recebia o mesmo tratamento, mas era a primeira a acabar em caso de seca ou má-conservação do sistema. Foi a forma de garantir que não faltariam verbas para a manutenção, e que se terminasse a água para o povo os gestores poderiam alegar que a coisa estava feia para todo mundo mesmo, que também estavam sem banho, inclusive há mais tempo que todos, ganhando assim alguma simpatia popular e tempo para o conserto ou até seca terminar.

Corta para:

Brasil - época atual.

O Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) é autor do Projeto de Lei nº480 de 2007, que tem a genialidade das idéias simples e a simplicidade das idéias geniais. Ele "determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014". Imaginem só: com os filhos de apenas 64.810 políticos das esferas federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal sendo obrigados a estudar em escolas públicas, a Educação no Brasil, para 150.000.000 (faço questão de escrever por extenso: cento e cinquenta milhões de brasileiros) nunca mais teria problemas como falta de professores, greves e todas aquelas falhas ridículas e patéticas que estamos cansados de aguentar. É a versão brasileira para a "Água de Roma"! Se por um lado a aprovação desta Lei admitirá a falta de atenção da classe responsável até então, por outro utilizará de forma honesta a tendência natural do ser humano em cuidar apenas dos interesses próprios e próximos, para fazer algo realmente bom e justo, no mais puro sentido dos dois termos, de um jeito realista e maduro.

O antigo relator, Sen. Romeu Tuma votou contra, mas tivemos a sorte dele sair da CCJ (Comissão de Justiça e Cidadania), sendo a matéria redistribuída ao novo Relator, Sen. Antonio Carlos Valadares, que tem junto com o Sen. Buarque a oportunidade de entrar para a parte limpa da História do Brasil. Por enquanto o relator pediu prazo para que a matéria seja "instruída em data oportuna".

Tudo bem, todos sabem que sou um baita cínico, um idealista que entregou os pontos, não tenho a menor esperança de que tal utopia seja aprovada, mas gosto de imaginar as possíveis consequências em um prazo de, digamos, 15 anos, com os índices de Educação nas alturas e o Brasil sendo usado como um grande exemplo positivo para o mundo.

Já pensou?

Eu já.

6 comentários:

Angie disse...

Que coisa boa ler novamente o seu blog! Finalmente resolveu atualizar! E lendo último post me fez lembrar de um livro que li e adorei: Candido, o otimista. Recomendo a leitura...

Unknown disse...

Que coisa boa receber comentários teus novamente, querida amiga!!! Vou encontrar o tal livro e depois te conto o que achei. Grande beijo!

Angie disse...

Ops!!! Esrcevi errado o nome... É Candido ou o otimismo é de Voltaire :) bem velhinho!!!

Bláh Limberger disse...

Nunca é tarde para agradecer: obrigado à minha irmã Márcia Limberger, por me apresentar os dois assuntos que formam este texto! Valeu fedorenta amada!!!

Teran disse...

Uma vez um empresário do transporte coletivo foi questionado. Os ônibus da empresa GEREMA, de sua propriedade eram tão velhos que exibiam até buracos no assoalho. Cerca ocasião uma senhora quebrou a perna ao ve-la ser tragada pelo buraco no corredor do coletivo. Entrevistado, o dono da GEREMA culpou as ruas pela buraqueira que danificava os coletivos. E culpou a prefeitura. O repóter indagou se ele teria coragem de se locomover num dos ônibus da empresa dele. A resposta foi de bate pronto: "não sou doido". O usuário desvalido também não era. A diferença é que não tinha carro próprio para andar. Então a elite brasileira há séculos faz assim. Se exime. Já que pode pagar procura escolas particulares para os filhos e plano de saúde para a familia. É mais fácil que protestar por melhor educação e saúde pública de verdade.

Bláh Limberger disse...

É verdade Cláudio, nosso comportamento em sociedade, demonstrado no dia a dia pelos dirigentes e representantes, é de dar atenção a determinados assuntos importantíssimos apenas quando o Público afeta o Particular. Pregamos e cobramos comportamentos éticos rígidos, desde que apenas para os outros. Somos condicionados a pensar que precisamos ser excessão sempre, do contrário seremos rotulados como "otários", "manés". É o pensamento individualista, o desejo lúbrico de "estar do outro lado", o sonho de ser aceito pelo grupo que usa o público para engordar o privado, reflexo de uma mistura venenosa de maus exemplos de lideranças dentro da família e em vários setores da sociedade, além de uma educação formal inexistente, incapaz de passar qualquer ideal ético, transcendente.
Não conseguimos segurar a urgência do "EU". Se não me engano foi Piaget que comparou a evolução de uma sociedade às fases de desenvolvimento de um ser humano, desde o nascimento e a consequente fase oral até a fase adulta, quando as decisões são raciocinadas e as consequências a longo prazo levadas em conta.
Sob esta ótica, recém nascemos - somos cada um o centro do universo, temos dificuldades em identificar o outro, além de buscarmos o prazer imediato a qualquer preço.

Esta é a nossa cara. Precisamos crescer logo, não temos pais a nos cuidar...