quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

PARA NOS ENTENDER UM POUCO - 2

O gaúcho tem a fama espalhada pelos quatro cantos do mundo de ser gritão, grosso e metido a macho, (inclusive daí vem a sátira oposta, a do gaúcho com toda a aparência de macho, mas completamente gay, figura que comento em outra crônica, ainda por terminar), mas sustento uma teoria de que não é bem assim.
Vejamos: quando passava as férias em São Sepé, nas conversas e brincadeiras com a “primalhada”, o pessoal dizia que eu falava muito alto, era muito estabanado, o mesmo ocorria com minha irmã Márcia. Foi quando percebi que realmente nos expressávamos alguns decibéis além do necessário e do suportável pelos tímpanos dos nossos primos. Atendíamos então às súplicas da turma e baixávamos o volume. Terminado o período de férias, ao voltarmos para Bagé estranhávamos como todos realmente falavam aos berros.
Anos depois, uma professora, cujo nome infelizmente não lembro, apresentou a interessante explicação para este fenômeno sonoro, sua teoria era de que o pessoal da fronteira falava desta forma por assimilação do tratamento militar à época da colonização daquela região do estado, em que o índio, o português e o espanhol muitas vezes criaram comunidades em torno dos acampamentos e quartéis militares, absorvendo o modo militar alto e claro, quase rude, de falar. Portanto, quem costuma realmente falar mais alto é somente o gaúcho fronteiriço, ainda assim, isto não se tornou obrigatoriamente uma regra.
Existem outras teorias, é claro, uma delas particularmente atraente é a de que na imensidão do pampa, para ouvirmos e sermos ouvidos, temos que falar alto devido às grandes distâncias. Outra diz que falamos assim porque só estamos acostumados a tratar com o gado, que não é um ser muito atento e compreensivo, bobagem, é claro. Infelizmente, acredito mais na primeira explicação, que apesar de ser menos romântica é a mais plausível.
Quanto à fama de grosso, de mal-educado, é um total absurdo, discordo totalmente. Só quem nunca foi a uma estância pode dizer que o gaúcho é grosseiro. Principalmente os peões, que são os mais puros representantes da cultura gaúcha, tratam de seguir rígidas regras de tratamento, algumas já caídas em desuso até nas mais tradicionais sociedades aristocráticas do Sul.
Nunca um peão entra num recinto fechado de chapéu, nem chama alguém por “Tu” sem ser íntimo da pessoa, nem jamais conta uma piada ou um chiste na frente de estranhos. Até mesmo entre os peões existem modos de tratamento que traduzem uma educação tosca em letras, porém rica em refinamentos e rituais sociais, um pouco distorcidos pelo tempo, absorvidos da antiga aristocracia rural. Chamar o decano entre os peões pelo tratamento respeitoso de “Tio”, referir-se sempre aos que já morreram pelo título de “finado” ou “saudoso” antes do nome são apenas alguns exemplos.
Um amigo disse-me certa vez: “Sou tradicionalista uma barbaridade, mas não me venham com grossura que eu salto fora! Chamo todo mundo por senhor e peço licença antes de entrar até em chiqueiro de porco”.
Aqueles que criam a fama de grosso do gaúcho são geralmente jovens de classe média alta que se caracterizam de campeiros sem, no entanto, conhecerem a cultura gaúcha, aproveitando as belas festas realizadas para darem mostras de sua fraca compreensão, criando arruaça e “gritedos”, enfim, fazendo fiasco, simplesmente achando no movimento tradicionalista um bom modo de chamar a atenção, um modismo passageiro em que o “modista” passa, mas a fama negativa fica.
Quanto à terceira afirmativa, de que o gaúcho é metido a macho, que me desculpem os muito delicados, mas é a mais pura verdade.Não se trata de bairrismo ou ufanismo. Apesar de civilizado, ele ainda carrega aquela raiva fria que herdou dos terríveis colonizadores espanhóis, famosos por suas atrocidades com os inimigos, fossem eles índios, portugueses ou quaisquer outros. Esta energia bruta tem seu lado positivo ao ser transformada em fonte de inspiração para o trabalho, é reservatório inesgotável de energia, porém, se despertada para a “peleia”, é capaz de atos bárbaros e desumanos como nos contam as histórias das degolas nas muitas revoluções e guerras pelas quais passou aquele estado, em que degoladores como Adão Latorre são até hoje lembrados e muitas vezes reverenciados.
Que fique como exemplo o caso da avó do Luciano, amigo meu. A velhinha deve ter uns oitenta anos, encolhidinha e de fala lenta e calma como uma avó deve ter. Pois a velhinha estava falando mal de um vizinho da estância da família, homem de má índole e mau caráter, e surpreendeu a todos na sala quando veio com esta sentença, com a calma de quem explica um ponto de tricô: “Aquele lá, meu filho, tem que pegar e arrancar o olho dele com uma colher!” Provando que macheza, como sinônimo de coragem, não tem sexo nem idade. Oigalê Vozinha!!!

6 comentários:

Hackbarth disse...

Sempre disse que ao resto do Brasil faltava um pouco de sangue quente, para se revoltar um pouco mais com a situação. Impressionante o que passa batido por aqui que em Porto Alegre teria posto todos estudantes na rua, parando o tráfego.

Bláh Limberger disse...

Falou e disse, Mestre Hackbarth!!!

Angie disse...

Carlitos!!!
Estou amando ler o seu blog... E para ficar mais no clima vou preparar o meu chima agora ;)

Bláh Limberger disse...

Obrigado Loira, não existe elogio melhor do que este!!! Grande beijo!!!

Unknown disse...

Muito, muito bom.

Bláh Limberger disse...

Muito, muito obrigado!!!